A missa da Terra Sem Males é uma convocação a todos os oprimidos da América que marcharam durante séculos, e marcham até hoje em busca da “Terra Prometida”, a Terra Libertada.
Hoje, 16 de fevereiro, comemoramos o aniversário dos 90 anos do bispo
Emérito da Prelazia de São Felix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga,
nascido em Balsareny, província de Barcelona, em 16 de fevereiro de
1928. Pedro, como gosta de ser chamado, como apóstolo, se fez povo,
gente da gente, um companheiro da nossa resistência na luta por
libertação.
Como pastor do homem integral, homens que têm necessidades e direito
de viver com dignidade, e não apenas pastor de “almas”, seres
incorpóreos, etéreos, que não comem, não bebem, não adoecem, não vestem,
não estudam, não têm filhos para criar, não sofrem o desespero do
desemprego, a agonia da fome, nem a aflição da incerteza do dia de
amanhã.
Nosso Pedro fez a opção preferencial pelos seres humanos
empobrecidos, que vivem aqui e agora, que precisam da floresta para
viver, de educação e saúde pública de qualidade, de moradia e da terra
para plantar e sustentar sua família.
O religioso Casaldaliga, compreendendo e amando a existência em toda
sua dimensão, e não apenas metafisicamente, transcendeu as limitadas
linhas geográficas de Balsareny, transmutou-se num cidadão do mundo,
dedicando sua vida às causas indígenas, dos sem-terras, dos sem-tetos,
dos despossuídos, das minorias, dos perseguidos, dos direitos humanos e
da “Mãe-Terra”.
Para isso, calçou as sandálias do pescador, trajou as vestes do
camponês, viveu entre os pobres, e, como bispo, em vez do anel de ouro
da “realeza”, cúmplice das elites escravocratas, preferiu o anel de
tucum, como símbolo de fé e compromisso às causas dos excluídos, dos
abandonados.
Apesar de permanecer por mais de 50 anos nos confins do sertão de
Mato Grosso, desde quando, ali, em plena ditadura militar, diziam que
era a terra onde o filho chorava e a mãe não via, nem escutava, como se
as selvas e os pantanais mato-grossenses pudessem abafar a acústica de
sons indescritíveis de tiros e de gritos de morte, Pedro foi a voz
vibrante da esperança, ecoando mundo afora o grito aflito dos oprimidos.
Naquela época, o nosso aniversariante, uma figura mundialmente
conhecida, deu voz aos que não tinham, contribuindo com suas denúncias
proféticas, para que o mundo visse e ouvisse as agruras de um povo que
nem mesmo nós brasileiros podíamos vê-lo ou escutá-lo, pois a censura
imposta pelos militares não permitia.
Ainda jovem, Pedro ingressou na congregação Claretiana (Congregação
dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria), em1943, sendo
ordenado sacerdote em Montjuïc, Barcelona, no dia 31 de maio de 1952. Em
1968, em plena Ditadura Militar, veio para o Brasil com a missão de
fundar uma missão claretiana em nosso Estado.
Sua nomeação como administrador apostólico da Prelazia de São Félix
do Araguaia foi publicada dois anos depois, em 27 de abril de 1970. O
Papa Paulo VI autorizou sua ordenação episcopal no dia 23 de outubro de
1971.
Uma de suas ressignificações mais conhecidas, a missa da “Terra sem
Males”, teve início nas ruínas de São Miguel, no Rio Grande do Sul.
Escolheu, não por acaso, uma região fronteiriça entre a América
espanhola e portuguesa, por ser a terra dividida pelo fogo dos
conquistadores.
A missa da Terra Sem Males é uma convocação a todos os oprimidos da
América que marcharam durante séculos, e marcham até hoje em busca da
“Terra Prometida”, a Terra Libertada.
Nada mais atual, comemorar os 90 anos de Dom Pedro Casaldáliga,
relacionando a sua atuação histórica na defesa da população Ameríndia,
do seu enfrentamento ao colonialismo imperialista, a atual entrega das
terras, das águas e das riquezas do nosso continente à sanha insaciável
da dominação capitalista, redesenhada na política neoliberal, que, com o
golpe de 2016, o Brasil dos militontos “manifestoches”, dos coxinhas
nazi-doidos, do “conluio de bandidos” lesa-pátria, se prostrou de
quatro.
Na década de 70, Pedro já nos alertava que o capitalismo é
“intrinsecamente mau”, porque é o egoísmo socialmente
institucionalizado, a idolatria pública do lucro pelo lucro, o
reconhecimento oficial da exploração do homem pelo homem, a escravidão
de muitos ao jugo do interesse e da prosperidade de poucos.
O Brasil, com Lula/Dilma, sonhou se colocar entre os grupos de países
grandes, com a mudança de sua geopolítica a partir de outros interesses
que não fossem o das nações imperialistas. Para isso, quitou os
“papagaios” que tinha com o FMI (Fundo Monetário Internacional), e foi
até mais longe, emprestando recursos financeiros para o Fundo.
Nosso país se colocou entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China),
nações com cerca de 40% da população mundial, detentor de 15% do PIB
(Produto Interno Bruto). Economistas diziam que essas seriam as nações
que mais cresceriam nos próximos 50 anos, destronando o trio EUA, União
Européia e Japão.
Os BRICs projetaram uma moeda própria, para evitar o dólar nas
transações do bloco, e inclusive a criação de um banco, nos moldes do
Banco Mundial. Só para ilustrar: juntando o Mercosul (12 países) aos
BRICs, teríamos uma potência mundial de alimentos e água, somadas à
capacidade de produção de petróleo. Somadas as produções petrolíferas da
Venezuela e Brasil, seria ameaçada a liderança mundial da Arábia
Saudita, um país fundamentalista, sem nenhuma liberdade de imprensa,
enfim, uma ditadura.
Aliás, os EUA criticam a Venezuela, onde até um brasileiro se
infiltra com facilidade para fazer espionagem, mas nada falam sobre a
sua parceira, a Arabia Saudita, um país onde a liberdade de imprensa se
situa na posição 165 entre 180 países pesquisados. Os EUA declaram
guerra ao fundamentalismo religioso, mas é parceira desse país que usa o
Alcorão como Constituição.
Esses elementos nos permitem reconhecer que estamos vivendo um
período muito duro, muito difícil, que exige de cada um de nós
resgatarmos a utopia de um mundo melhor, mais pleno e feliz. Um mundo
sem dominação, sem opressão, sem senhores nem escravos: a “Terra sem
Males”, uma terra de irmãos, construída por nós, aqui mesmo, nesse belo
planeta.
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça, porque serão saciados”!
E viva Dom Pedro Casaldáliga!
Fonte RD News